Celso Antunes


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                                                      Celso Antunes


Psicopedagogo, professor é bacharel e licenciado em Geografia e mestre em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo, especialista em Inteligência e Cognição.



Na foto acima eu e o Professor Celso Antunes no congresso de educação em Gramado
A palestras dele foram as melhores do congresso!!


 .   TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
A COMUNICAÇÃO PRIMÁRIA

Observe a fêmea animal em comunicação com a cria recém-nascida. Ela lambe, focinha, alisa, arruma pelos, aninha-se. Nesse processo não existe apenas a euforia pelo bebê, mas o apelo do instinto em criar laços e dar segurança na passagem do útero para a vida independente. Estudos recentes comprovam que filhotes que nascem em cativeiro e são depressa afastadas da mãe, antes de receber o apelo dessa transição, crescem assustados, temerosos, agressivos, arredios. Sem essa intensa e contínua comunicação primária a falta do intercâmbio de afeto prejudica de maneira sensível a conexão social e a felicidade de qualquer ser animal.

Nesse particular, os seres humanos são vitimados pela invenção da linguagem e pela extrema tolice da crença de se acreditar que somente com a mesma é que a comunicação entre adultos e crianças se intensifica. A fala é importante, a linguagem do bebê desde seus primeiros balbucios exigem interesse e atenção, mas é imperdoável esperar pela mesma. Toda criança – ainda que jamais existam duas crianças iguais – necessita muito dessa comunicação primária, formas de relacionamento com pessoas e que não podem ser atingidas apenas por meio da linguagem. O primeiro desses relacionamentos sempre será entre a mãe e o bebê e por mais que se queira incluir o pai e outros adultos, é impossível fugir da realidade do fato de que todo feto em crescimento está literalmente imerso na vida da mãe, estimulado por sua voz, por seus ritmos de sono e atividade e por um verdadeiro coquetel de hormônios, toxinas e nutrientes que passam através do cordão umbilical.

Mas, nesse ponto chega-se ao centro dos objetivos desta crônica.

Essa comunicação primaria é essencial e imprescindível, mas em sua falta ou transmissão incompleta qual papel cabe a escola e as educadoras infantis?

A saída do útero para a realidade agressiva do ambiente necessita ser feita através de uma transição gradual e cabem as educadoras infantis essa facilitação, preocupando-se menos em ensinar e colocar para brincar e muito mais em tocar, falar, provocar, sorrir, cantar, acalentar, embalar, enfim, dar-se plenamente nessa imprescindível e ilimitada entrega.

A palavra “comunicar” tem sua origem em “tornar comum” e assim estabelecer um entendimento compartilhado que envolve doação muito mais sutil que uma simples transmissão de palavras e oferta de alimentos e brinquedos.

ITAMAMBUCA, 05. 07. 2010



  TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
TEMPOS DE BRINCAR

O conceito sobre “brincar” na Educação Infantil, viveu momentos distintos.

Durante muitos anos, quando se acreditava que criança era apenas adulto pequeno e imaturo, o brincar se associava aos momentos de lazer e aos folguedos, forma infantil de ocupar os curtos tempos livres da infância.

O sensível avanço da pedagogia com a chegada do século XX alterou rapidamente esse conceito e, amparados por estudos profundos de Vygotsky, Piaget e outros se descobriu que o brincar jamais se separava do aprender e que toda boa educação infantil deveria canalizar a alegria do lúdico à essência da aprendizagem. Essa nova idéia mudou a feição da infância e brincar se tornou exercício de sonho e criatividade, de fantasia e competência. Viveu-se o período áureo das brincadeiras e se lamentava com rigor a criança carente ou em guerra, afastada desse importante crescimento. Ao que tudo indica, essa fase chegou ao fim.

Não que novas teorias sepultem a seriedade dos estudos realizados e teses elaboradas, não que se questione a importância do lúdico na construção de relações interpessoais, na formação do caráter e na habilitação para competências e valores. Ocorre apenas que se popularizou a importância das avaliações exógenas e que provas e mais provas estão fazendo dos alunos de agora “escravos” que pelo seu desempenham e notas atestam o valor de seus professores e o esforço de progresso de seu município. A verdade é que a obcessão avaliativa roubou da infância o espaço do brincar. Atualmente, ser criança escolarizada é submeter-se a vida estressante de um tempo com vigília, pleno de horários e tarefas rígidas, monitoradas e medidas o quanto mais cedo melhor.

A década de 1990 trouxe uma gradual, mas inexorável idéia de avaliação do desempenho que impõe drástica redução no espaço do brincar. O dia escolar ficou repleto de matérias e a atual agenda infantil empurra a criança para desafios, lições, reforços e recuperações. O exagero perverso da medição do desempenho do professor, escola, município e estado pelo sucesso do aluno estão sepultando a infância, os estudos de Piaget e a belas teses de Vygotsky e outros muitos.

ITAMAMBUCA, 06. 07. 2010

   TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
É PROIBIDO SER CRIANÇA

Existe uma informação científica insofismável que aborrece e desgasta muitos pais e muitos educadores infantis de tal forma e com tal intensidade que muitos fingem que a ciência não avançou e ousam desafiar esse inequívoco consenso. Essa afirmação é a de que o cérebro humano de se desenvolve e se transforma nos dias de hoje exatamente da maneira como se desenvolvia e transformava há vinte anos. A evolução é inexorável e existem diferenças substantivas entre o cérebro humano hoje e há milênios atrás, mas a evolução é extremamente lenta e assim não muda em pouco tempo de pais para filhos.

Fazer essa afirmação é por certo, comprar briga. Existe um consenso quase universal que as crianças de agora não são mais como eram seus pais e seus avós e a tola vontade de crer que são seres diferentes e que, por isso, necessitam de uma educação diferentes. Claro que são diferentes, é evidente que a educação infantil necessita urgente atualização, mas as diferenças nada têm a ver com mudanças cerebrais. Desnecessário destacar que atualmente as crianças têm sido absorvidas com ganância pelo mundo comercial e recebido um imenso poder, mas é evidente que atrás disso tudo existe a amarga visão de “produto” e se ele gera lucro, e gera muito, vale a pena essa absorção e esses esforços para que as vozes infantis sejam mais ouvidas e tenham liberdade para reclamar pela grife e pelo brinquedo que são induzidas a desejar e que quanto mais caro e de mais rápida substituição melhor. Pior ainda é que os que se colocam contra essa comercialização da infância não raramente são taxados de retrógrados. Afinal de contas criança que mais compra é garantia de mais emprego e de PIB mais elevado.

Mas, a verdade científica não se ajusta a interesses mercenários e se coloca acima da geração de lucros e em seu nome não se duvida que as crianças não sejam adultos menores com entendimento inato para todas as coisas. São como sempre foram intelectualmente imaturas e naturalmente impulsivas e crescem com maior segurança quando são educadas com rotinas reconhecíveis, limites claros e a imprescindível segurança de eu ao seu lado existem pais e professores que as educam e cuidam com carinho.

Não existe fase da vida mais importante que a infância e o respeito ilimitado a esse período começa com a suprema coragem de pais e mestres em assumir sua verdadeira educação, não proibindo a criança de ser criança.


CAMPOS DO JORDÃO, 07. 07. 2010

   TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
O DIÁRIO DE CLOTILDE

Hoje foi o dia mais legal deste ano.

A professora Maria Paula já nos havia informado que era dia de excursão e assim que chegamos já estava um ônibus a nossa espera. Ainda não eram sete e meia e todos já estavam no ônibus e saímos para nossas pesquisas. Pouco depois de andar alguns minutos, paramos em uma praça e nossa professora nos ensinou a se orientar pelo nascer do Sol. Esticou depois no gramado a planta e o mapa da cidade e nos mostrou o que era um plano urbano e porque nossa cidade se classificaria com uma área planejada e outra de crescimento espontâneo. Foi nessa hora que aprendi, e acho que nunca mais vou esquecer como compreender escalas e convenções. Aproveitamos que estava uma manhã ensolarada e andamos pela praça aprendendo a aguçar nosso olfato e aprendendo a ver o solo, as árvores, as flores e até as formigas. Nunca pensei que uma simples lupa muda tanto o chão que se estuda.

Ninguém mais queria sair daquelas pesquisas, mas a professora avisou que era hora de outras e o ônibus nos levou até a margem de um regato. Aprendemos a diferença entre o que era um córrego e um rio e entre um salto e uma cachoeira e, depois, exercitamos localizar a margem direita e a margem esquerda. Com um cronômetro que trazia pendurado no pescoço, dona Maria Paula nos ensinou um jeito interessante de calcular a velocidade da correnteza, pois bastava ver o tempo que uma folha flutuante atravessava de um lado a outro da ponte. Comparamos a vida vegetal e animal na margem do regato e um pouco mais distante e compreendemos a diferença e vimos rocha e tipos de solo, descobrindo que uma parte do solo foi também um dia uma rocha.  Foi ótimo verificar como devemos cuidar desse espaço e a professora nos deu sacos de lixo para apanhar resíduos. Explicou ainda como deveria ser a redação que deveríamos fazer desse passeio e nos mostrou que além de um texto, podemos falar desse lugar com imagens, fotos, desenhos, mímicas e tudo mais. Foi engraçado porque eu não sabia que tinham tantas inteligências e que com cada uma delas poderia explicar tudo que estava aprendendo.

Passeamos mais tarde pela área industrial da cidade, visitamos uma fábrica de plásticos e um gerente chamado Marcos e muito bonzinho explicou tudo sobre matéria-prima, importação, produto elaborado, produção em série e tudo mais. Estava tudo combinado e fomos convidados a almoçar com os operários da fábrica e todos nos tratavam muito bem. Após a sobremesa, a professora Paula colocou-nos em uma sala e nos falou sobre paladar e alimentação, mostrando que comer bem não significa comer muito e porque é importante uma pirâmide alimentar. Com os olhos fechados fizemos uma porção de experiências engraçadas sobre o paladar, aprendendo que isso é coisa que se pode sempre tornar melhor. Mais ou menos uma hora e meia depois de nossa chegada nos despedimos do senhor Marcos e já no ônibus fomos olhando pelas janelas, fotografando e pesquisando uma cidade, descobrindo que situação e sítio urbanos são coisas diferentes e que o sítio de titio não tem nada com o sítio urbano da nossa cidade.

Quando chegamos de volta à escola, dona Maria Paula colocou-nos nasala e fomos todos juntos revendo a excursão e assinalando o que tínhamos aprendido e o que podíamos um ensinar aos outros. Foi tudo muito legal porque vimos que a Geografia não se separa da História e que a Matemática não é apenas que se estuda na sala de aula. É por isso que a redação estou organizando vai mostrar fotos, entrevistas, desenhos, mas também alguns gráficos. Eu já gostava muito da professora Maria Paula, mas acho que agora gosto mais. Muito mais.

CAMPOS DO JORDÃO, 12. 07. 2010

TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
A CRIANÇA ENSINANDO CRIANÇAS

Beneficiadas pela tecnologia, cuidadas por pais e mães bem mais atentos as necessidades da estimulação infantil e, geralmente, freqüentando escolas bem mais sintonizadas com os cuidados na infância, as crianças de agora superam muito em esperteza, criatividade e manejo digital as crianças de quarenta anos atrás. Mas, em pelo menos uma coisa as crianças de agora perdem e perdem expressivamente: na capacidade de estabelecer relações pessoais, criar brincadeiras e superar algumas estratégias para resolver problemas.

Não se pense que estamos nos refugiando no saudosismo e que essa referência a criança de outros tempos possui alguma intenção de homenagem as crianças de antigamente. Nada disso. Pesquisas recentes realizadas no Reino Unido, Noruega e Estados Unidos comprovam esse fato e a causa mais provável dessa diferença talvez esteja situada na questão de famílias numerosas. Realmente, as famílias antigas geralmente eram de inúmeros irmãos, muitos primos e uma incrível diversidade de amigos e vizinhos, com que se aprendiam maneiras de se fazer amizades e fórmulas mágicas para se resolver problemas. A família de hoje, quase sempre restrita a moda do filho único, raramente oferece a criança a oportunidade antiga de viver em meio de uma multidão de iguais com quem tudo do certo e do errado se aprendia.

O único espaço atual que contrapõe crianças com inúmeras outras crianças ainda é a escola e, por isso mesmo, cabe a mesma propiciar inúmeros momentos para que as crianças convivam e aprendam com os admiráveis modelos de outras crianças. Hoje sabemos que as crianças aprendem muito se observando mutuamente e que quando dispõem da oportunidade de escolher e tomar suas próprias decisões se organizam notavelmente, seguindo seus planejamentos com persistência e coerência. Mais ainda, muitas vezes a não intervenção do adulto durante o brincar coletivo, ajudada-as a resolver sozinhos seus problemas, sobretudo quando fazem a distinção entre elogio e o incentivo, constitui um estímulo cerebral que a sala de aula jamais pode reproduzir.

Uma escola que não se volta com um projeto específico para colocar crianças aprendendo com outras crianças não apenas está individualizando uma aprendizagem que por não ser social é sempre perversa, como está perdendo excelente oportunidade de propiciar momentos de convívio e instantes insuperáveis de aprendizagens coletivas.

Mas, é evidente que o bom aproveitamento dessa oportunidade de relação e aprendizagem não se viabiliza sem que os professores estejam preparados para isso e possam criar metas claras e objetivas dessa ação integradora. Ainda que o estabelecimento dessas metas necessitam se adaptar a realidade de cada escola, em cada lugar, são práticas sempre úteis:

·         Garantir que todas as crianças tenham acesso a materiais variados.
·         Propiciar opções para que elas próprias elejam as atividades que devem executar.
·         Adotar uma abordagem de horários flexíveis que permita as crianças atividades não somente vinculadas ao programa especificamente escolar.
·         Solicitar que sempre planejem suas atividades.
·         Apresentar sempre perguntas e desafios consistentes e de final aberto e que exijam pensamentos além dos objetivos idealizados.
·         Intervir somente em último caso e quando solicitado pelo grupo de crianças.

É evidente que essas estratégias não pretendem que a escola se transforme por inteiro e nem visa substituir o trabalho individualizado que organizam, mas com consciência e planejamento não permitir escapar essa extraordinária estratégia de aprendizagem para a vida inteira.
                                     CAMPOS DO JORDÃO, 12. 07. 2010